“Cozinha Económica” serve cerca de 500 refeições por dia

27-01-2013 12:00

 

Os serviços da “Cozinha Económica” são imprescindíveis para grande parte da população carenciada de Coimbra. Diariamente, para além de outros serviços de apoio que presta, a instituição serve cerca de 500 refeições a mais de 350 utentes, confecionando mais de 500 litros de sopa todos os dias.

Situada em pleno “coração” da Baixa de Coimbra, num edifício antigo do Terreiro do Mendonça, a Associação das Cozinhas Económicas Rainha Santa Isabel, “carinhosamente” conhecida como “Cozinha Económica”, serve diariamente cerca de 500 refeições por dia. Em média, almoçam e jantam na instituição à volta de 350 pessoas todos os dias, oriundas de vários pontos da cidade e, por vezes, até mesmo vindas de fora, encontrando-se em Coimbra apenas de passagem.

O trabalho e a azáfama começam bem cedo para que tudo esteja pronto atempadamente na “Cozinha Económica”. Quando soam as 12h00 há já vários utentes à porta, à espera de poderem comer a primeira refeição quente do dia. São sobretudo as pessoas ligadas a dependências (principalmente estupefacientes), as primeiras a chegar. Segundo Ana Maria Cristóvão, assistente social da instituição, “esses aparecem mal se abrem as portas e, na maioria dos casos, as únicas refeições que fazem são estas”.

Há, no entanto, utentes a chegar ao refeitório até às 14h00/14h30, muitas vezes “vindos de fora, sobretudo pessoas que vêm aos médicos, e que não têm possibilidades de almoçar noutro lugar”.

Bem conhecida na cidade e não só, a “Cozinha Económica” acaba por ser assim um “porto de abrigo” para todos aqueles que têm carências económicas ou que, pelos mais diversos motivos, estão a atravessar um momento de maior dificuldade.

 

77 anos dedicados aos menos favorecidos

Criada há 77 anos por um grupo de mulheres que “entendia que numa época de fome era necessário dar de comer às pessoas de uma forma digna e com condições”, a “Cozinha Económica” tem procurado contribuir para minimizar os problemas de muitas famílias.  

Na época reuniu-se então um grupo de pessoas com algumas posses – ou pelo menos boa vontade – e decidiu unir esforços para tornar real o projeto. Na altura, segundo conta Ana Maria Cristóvão, havia a intenção de abrir mais do que um refeitório, daí a denominação de Associação das Cozinhas Económicas. As dificuldades e o trabalho que um projeto destes exige acabaram, no entanto, por impedir que esse desejo de expansão se concretizasse. Apesar de entretanto terem surgido outros projetos semelhantes no país, Ana Maria Cristóvão entende que, nestes moldes e com esta filosofia, a “Cozinha Económica” é única a nível nacional, já que “é uma instituição canonicamente direta, intimamente ligada à Igreja Católica, tendo como uma das suas tutelas a Diocese”.

Quando abriu ao público, em 1933, a instituição começou logo por servir almoço e jantar e estava à responsabilidade de uma congregação de freiras espanholas. Entretanto, em 1936, o Bispo de Coimbra pediu às Criaditas dos Pobres, uma congregação que tinha nascido na cidade e que estava muito ligada à pobreza e às famílias com carências, para ficar à frente desta casa, mantendo-se desde então na instituição.

“É preciso fazer disto um grande objetivo de vida para poder estar à frente de um projeto como este. É preciso uma grande dedicação aos outros para se poder acompanhar os problemas e as formas como a pobreza se apresenta ao longo dos tempos”, explica a assistente social.

Mesmo não havendo nenhum historial sobre a frequência da casa, a Irmã Lucinda recorda que “houve logo grande procura, apesar de na época haver muito menos gente em Coimbra e de o modo de cozinhar ser muito mais rudimentar, recorrendo-se sempre à lenha”.

 

Pobreza associada a dependências tem vindo a aumentar

O tipo de público também mudou muito ao longo destes quase 80 anos. Na época em que abriu, a “Cozinha Económica” servia, sobretudo, pessoas que vinham trabalhar na Baixa e que, apesar de terem um ordenado, ganhavam muito pouco. “O que ganhavam não dava para tudo. Essas pessoas vinham aqui comer e também levavam para casa, traziam as suas panelas e levavam comida para a família porque apesar de trabalharem o dinheiro não dava”, recorda a Irmã Lucinda.

Hoje a realidade é outra e a pobreza também é diferente. “Antigamente as pessoas trabalhavam mas não tinham suficiente para poderem comer fora de suas casas. Hoje é diferente. Embora venham ainda alguns trabalhadores, atualmente temos mais casos de dependência de droga ou álcool”, explica.

Continuam, no entanto, a recorrer à “Cozinha Económica” muitas famílias que apesar de terem o seu emprego não conseguem fazer face a todas as despesas. A Irmã Lucinda entende que também aqui há um “novo tipo de pobreza”.

“Têm-nos aparecido famílias que se encontram em grandes dificuldades. Embora tenham os seus empregos, vivem de salários mínimos o que, fazendo a conta a todas as suas despesas, não chega para resolver as questões mais básicas”, realça. A questão torna-se ainda mais complicada quando surge alguma situação imprevisível, como uma doença ou uma separação. “Se isso acontece, os planos que já eram feitos ao cêntimo escorregam imediatamente”, conta.

Por todos estes motivos, o público que recorre à “Cozinha Económica” tem-se vindo a alterar. Atualmente, segundo a Irmã Lucinda, “há muita gente formada, com licenciaturas, que agora estão com dificuldades e que recorrem à instituição”. Lembra que, “quando menos esperamos, a vida prega-nos uma rasteira” e que “basta uma situação de desemprego para destabilizar tudo”.

O facto de até então levarem uma vida dita “normal” faz com que muitas pessoas, apesar das carências com que se deparam, tenham dificuldade em pedir ajuda. Muitas vezes é a própria instituição, conhecendo o caso, que vai ao seu encontro.

Ana Maria Cristóvão diz que hoje já não há aquela espécie de “fronteira” entre o rico e o pobre. “Atualmente há muita pobreza por detrás da aparência. Essa é uma das nossas grandes preocupações. Ainda mais porque sabemos que há muitas pessoas que têm vergonha em pedir ajuda, que ainda não tiveram coragem para virem ao nosso encontro. Conhecemos casos de pessoas que estão a viver situações difíceis e compreendemos que nem sempre é fácil ter a coragem para dar a cara”, sublinha.

Sempre de portas abertas, a “Cozinha Económica” serve qualquer pessoa que aí se dirige. Mas, se se tornar num cliente “habitual” é abordado, de forma a que a assistente social possa analisar a sua situação e dar-lhe outras respostas de que precise ou, se for esse o caso, explicar-lhe a filosofia desta casa, dirigida exclusivamente a situações de carência económica.

Em muitos casos, quando o utente chega à “Cozinha Económica” já tem a sua situação analisada por outros serviços da Rede Social de Coimbra. São encaminhados por esses serviços e, normalmente, é quem encaminha que assegura o pagamento das refeições. Há também casos em que são os familiares ou amigos do utente que se responsabilizam pelas suas refeições e há ainda aquelas pessoas que procuram a “Cozinha Económica” por iniciativa própria, comparticipando a refeição completa com 1,40 euros.

Para além da refeição, a instituição procura prestar outros apoios a estes utentes, articulando com outros serviços da cidade, procurando criar condições para a sua autonomia. “Muitas vezes basta encaminharmos a pessoa de forma a que concorra a alguma prestação social para que possa re-equilibrar-se e tornar-se novamente autónoma”, realça a assistente social.

 

65 idosos no Centro de Dia

As Criaditas dos Pobres (com sede na rua da Ilha) desenvolvem um trabalho muito mais amplo, acompanhando muitas famílias que vivem situações de pobreza. Para além da “Cozinha Económica”, são também responsáveis pelo Centro de Dia que funciona nas mesmas instalações e que tem atualmente 65 idosos, sobretudo da zona da Baixinha onde, segundo a Irmã Lucinda, “há grandes bolsas de pobreza, com grandes problemas a nível habitacional”.

Este Centro de Dia começou a funcionar em 1978 precisamente porque a direção da instituição começou a verificar que “muitas das pessoas que afluíam ao refeitório social precisavam de um tratamento mais específico, sobretudo os idosos”. Surgiu então o Centro de Dia que, de imediato, começou a prestar também apoio domiciliário, apoiando no momento 20 pessoas.

Apesar de todos estes serviços, Ana Maria Cristóvão lembra que “há ainda muita coisa a fazer e que nos faz falta”. O facto de funcionar numa casa secular exige obras quase permanentes de adaptação e que assegurem serviços de qualidade, o que a direção tem vindo a fazer. Neste momento, o grande problema prende-se com as acessibilidades, uma questão que os responsáveis esperam resolver assim que possível com a instalação de um elevador que venha facilitar o acesso dos utentes – sobretudo dos mais idosos – ao refeitório, que se encontra no primeiro andar.

 

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